quarta-feira, 12 de novembro de 2008

NÃO CORRA ATRÁS DAS BORBOLETAS.


Vem você novamente com as reclamações de sempre...

Da volta: você quis voltar para juntar os pedaços dos montes de coisas que o tempo te fez sentir e perder pelo caminho. Já te perguntaram por que você deixou esses pedaços cair? Falta de atenção!

É bonito o seu pensamento de que regressar é reunir dois lados: o dia de partir e o dia de voltar. Mas por que partiu? Por que voltou?

Da busca: a busca (palavra bonita) por aquilo que você não sabe o que é, não é? Todos aqueles livros de auto-ajuda na adolescência não ajudaram muito a encontrar uma resposta... Muito menos a definir qual seria a pergunta. Eu suspeitei desde quando você chegou e olhei nos seus olhos.

Da razão: pergunto a você o que te fez sair indo e vindo e você responde, para dentro, que foi pela necessidade de se sentir, ao mesmo tempo, útil e reconhecido pelo que fazia. Francamente! E ainda retruca dizendo que agora, sim, você está infinitamente do mesmo jeito de sempre.


Da causa: você jura que não saiu por aí porque teve um acesso de estrelismo involuntário e de baixo teor? Para mim está explícito. Mas é como muito anticristão mostrar todas as nuances de uma “ridicularidade” de si mesmo, você banca o palhaço triste dizendo: “voltei e entre feios e fedidos, salvei-me.” Salvou nada! Está aí se corroendo de ódio de si mesmo! Mas não se preocupe. Ódio é uma coisa que dá e passa. Só volta quando a gente relembra.


Do “BASTA!”: está cansado? O cansaço faz parte do processo evolutivo. Evolui para estresse, depressão e vira arte... Arte dramática de alguém que ainda pensa em plantar uma plantinha no jardim e esperar borboletas...

É estranho, eu sei, mas por que você não experimenta começar a criar lagartas?

Ah, VOCÊ sou EU, está bem?


Por: Emerson Cardozo

domingo, 9 de novembro de 2008

O COLECIONAR DE FEIÚRAS


Ihhh... O Insuportável!

Costumava se sentir superior ao resto da humanidade que ele conhecia e que colecionavam coisas. Achava, desde criança, aquilo de colecionar carrinhos, figurinhas, papel-de-bombom, discos, uma idiotice, uma forma de auto-alienação.

Qual seria o sentido de reunir peças limitadas de um tipo de objeto que, seja por prazo de validade da promoção ou da paciência, esgota-se? Condicionar a mente? Causar inveja em terceiros pela virtude da persistência?

E quando o álbum ou a prateleira está completo? Qual é o sentimento? De conquista, de tempo perdido talvez? De estágio espiritual superior?

Eu, como narrador partidário assumido do Colecionador, enquanto ouvia sua voz justificando o quanto ele era superior por já haver descoberto que criar era maior que colecionar, cheguei a pensar naqueles que criam os objetos que outros colecionarão... Quando é proposital, poderia ser considerada uma forma de alienação do próximo? Seriam, então, aquelas figurinhas do álbum uma espécie de ópio do povo? Os criadores de objetos colecionáveis seriam uma espécie de sacerdotes do “Colecionismo”?! E mais, seria o Colecionismo uma manifestação sagrada? Enfim, não quero que a Terceira Grande Guerra aconteça em virtude de álbuns ou prateleiras mais recheados do que outros. Apesar de que eu sou apenas um narrador tentando ser a voz de Deus nesta coleção de palavras aqui.

 

O dia em que o insuportável caiu de joelhos.

Sugerem por aí que existe muito daquilo que nos incomoda dentro de nós mesmos.

Em um momento de fraqueza, um pouco alto pelo excesso de idéias, o Insuportável confessou: “eu descobri que coleciono feiúras.”

― Que feiúras? A minha voz perguntou.

― Todas as humanas. Desde criancinha eu as coleciono. Meu álbum de invejas é enorme e cheio de figurinhas repetidas; a minha caixa de ódios eu sequer tenho coragem de mostrar a alguém. Coleciono ódios raros, peças de colecionador mesmo; tenho uma parede só de frustrações. Coloquei em paredes porque algumas são grandes demais e são todas em 3D. Essa coleção é a que me enche de soberba.  E a minha coleção de aversões?! Tão vasta que guardei várias na casa da minha mãe, na dos meus primos sempre que ia lá. Algumas aversões que sempre vinham iguais eu acabei distribuindo com colegas da escola. Mas eu estou meio angustiado... Eu não coleciono apenas feiúras prontas. Descobri que eu mesmo crio meus objetos e dou a eles as duas devidas fealdades. E assim, nunca terei uma coleção completa.

― E por que não coleciona belezuras se as feiúras não te satisfazem mais? Volta minha voz a intervir.

― De forma alguma! A quantidade de belezura é mínima. Eu já teria completado minha coleção há muito tempo. E depois é muito mais fácil enfeiar uma coisa do que embelezá-las. O enfeamento das coisas vem sempre com a virtude da verdade, da honestidade, enquanto que para embelezar alguma coisa, a pessoa deve lapidar aquele objeto bruto com a fineza da falsidade, do exagero, da indecência. A qualidade de uma boa coleção de feiúras é do que uma coleção de belezuras. E mais: conheço vários colecionadores de belezuras (eles se assumem porque a sociedade apóia, enquanto colecionadores de feiúras como eu, são muito mal vistos). As belezuras deles acabam de uma hora para outra e eles acabam tendo que começar a coleção toda de novo, forçando uma super barra para encontrar novas virtudes, bondades, sinceridades. Feiúra, não. Uma feiúra é sempre uma feiúra. Ela é concreta, é palpável.

 

― A feiúra ofende, mas a belezura engana. Contete-se em ter a mim colecionando feiúras na sua cabeça, pois sou eu que te confronto com a realidade, seu escroto, inseguro e problemático! Completa o Insuportável dirigindo-se a mim.

 Eu sabia! O Insuportável só puxou conversa comigo, contou um pouco da sua história pra me sensibilizar, me enfraquecer e arrancar mais feiúras de mim pra aumentar sua coleção!

 

CONTINUA... E A PRÓXIMA FEIÚRA DA COLEÇÃO PODE SER A SUA OU ATÉ MESMO VOCÊ!

By, pour ou por: Emerson Cardozo

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

CORREIOS INFORMAM


Cara Carolina Bahasi,

Vimos por meio deste informativo, declarar que vossa correspondência não pôde ser entregue à destinatária por motivo de mudança.
Consta-nos que na residência a qual se endereçava o documento habita atualmente uma senhora que se identificou como D. Distração. Ela informou-nos de que a antiga moradora havia mudado há tempos e que não possuía mais endereço fixo. A isso deve-se o fato de que a Senhora Inspiração não cumpria com seus deveres de inquilina, além de ter realizado obras sem autorização da proprietária, a Senhora Razão.

A digníssima Sra. Inspiração, que antes freqüentava um pequeno e seleto grupo de amigos, encontrava-se peregrinando solitária em becos com óculos de sol e uma bengala branca, tateando os ressaltos em sua frente.

Sugerimos a Srta. Carolina que, caso seja de extrema necessidade o contato com a citada destinatária, redija sua correspondência em Libras para que atenda às novas necessidade da Sra. Inspiração que nos deixou com um enorme estoque de correspondências destinadas a mesma. 

Transeuntes que a encontram e tentam se comunicar são atendidos singelamente com um convite de chá das cinco na nova residência daquela senhora que diz morar agora em uma casa muito engraçada, sem teto, sem nada. Ninguém pode entrar nela porque não tem chão, também não deve-se levar redes para longas conversas porque na casa não tem paredes. Caso precisem fazer pipi, ela avisa que não tem penico. Mas foi uma casa feita com muito esmero, na Rua dos Bobos, número zero, em Vilaró, doada por um senhor chamado Vinícius.

Desculpe-nos o transtorno e esperamos que as informações concedidas auxiliem vosso contato.


postscriptum: já que Dona Inspiração não está lendo, podemos musicar nossas mensagens pra que ela ouça e nos atenda... Que tal?

Carta à Inspiração


Querida Inspiração,

Vossa Senhoria anda sumida destas bandas de cá, de onde canta o sabiá, onde ficam as costas e os espelhos, os Girassóis e o jardim encantado. Há muito tempo não a vejo, nem de longe nem de perto, e tenho sentido vontade de sentir sua falta. Um pouco cansada, porém. Mas meu eu interior (aquele que vive brigando comigo) me pressiona a escrever-lhe esta carta e solicitar seu comparecimento. Ao seu devido lugar.

Sei que andas muito sumida, perdida por aí... Debaixo de alguma sacada, cantando coisas de amor. Mas como escrever é um ato de liberdade, sei que V. Sa. também precisa se libertar das amarras deste mundo sem mãos. Senhora Inspiração, sabemos que não tens mãos...

Mando aos seus saberes, ainda, que a senhora Preguiça anda muito lenta e em processo de retirada. Sendo assim, todo o espaço que ocupava com seu volume avantajado será liberado para que vossa senhoria possa voltar a dançar e cantarolar dando piruetas felizes em processo de produção contínua e indolor.

Espero que vossa majestade não ouse ludibriar-me. Esta persona que não consegue mais escrever longas anedotas ou mesmo pequenos ensaios sobre as coisas da vida. Porque quem vos escreve precisa de sua mágica arte da criação espontânea.

Nem sei se há de receber esta correspondência. Faço votos que a modernidade dos tempos de outrora façam chegar à digníssima tão importante recado, mas gentileza, de qualquer maneira, dar o ar da graça.

Compareça, cedo ou tarde, mas ainda por agora. Voltaremos às vacas polpudas e deixaremos de lado estes pangarés magrelos da “sem gracisse” que ainda tentam, mesmo semi-padecidos, nos carregar nos ombros. Os deixaremos na morte e vida severina, nos sertões de veredas, nos agrestes com suas tietas e suas vidas secas.

E vamo-nos embora para pasárgada, o não lugar, lá onde fica aquele vilarejo ali, que tem uma casa muito engraçada, lá onde a existência é uma aventura. Lá onde posso chegar mais perto e contemplar as palavras. Cada uma. Onde ficam as bandas de música. Foguetes. Discursos. Povo de chapéu de palha. Vamos porque é preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é urgente! Vamos lá onde quando se vê, já são seis horas e quando de vê, já é sexta-feira!

É logo ali, onde eu posso voltar a ter apenas as duas mãos e o sentimento do mundo.

E, por favor, perdoe-me, senhora Inspiração, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta.


By Carolina Bahasi

05 de Novembro de 2008
15:07 h

domingo, 2 de novembro de 2008

FALSIDADE ODONTOLÓGICA


Os simpáticos que me perdoem, mas o sorriso amarelo é essencial.
Emerson Cardozo


Juro dizer meia-verdade, somente meia-verdade, nada a mais que meia-verdade sobre meus meio-sorrisos.
Diante deste espaço público a que me proponho falar, confesso que nem todos os meus sorrisos são por adesão. Minto sorrisos em situações de grande periculosidade e os disfarço em situações de médio e pequeno porte. Esboço sorrisos extremamente falsos em situações constrangedoras ou perante pessoas de baixo teor humorístico. Não sorrio. Apenas mostro alguns dentes.
Sinto-me injustiçado por essas acusações de falsidade odontológica, só por não expressar sempre a minha real emoção. Não gosto do meu sorriso, mas gosto de rir. Que atire a primeira pedra quem nunca cometeu o mesmo desvio indevido de lábios.
Não posso ser culpado por sorrir quando as coisas que vejo ou ouço ou sinto não são engraçadas. Humor negro também é humor. E também alego que se não agisse assim na maioria daquelas situações, poderia ser acusado de omissão de sorriso, o que me levaria a uma frieza perpétua.
Protesto! Acusados de injúria emotiva deveriam ser os que não sabem rir ou os que não sabem quando rir. Rio por necessidade, mas também rio como um trabalho social. Sinto que posso ajudar pessoas com qualquer mísero sorriso.
Se eu revidasse às situações escassas de humor com gargalhadas, sim, eu aceitaria minha condenação. Mas eu nunca o fiz. Nunca mesmo.
Algumas palavras ou expressões nos obrigam a sorrir em seguida a elas. Como dizer “peidei” sem um mínimo sorriso constrangedor? Como dizer “bem-feito” para pessoas odiáveis sem sorrir para um dos cantos da boca, ou até mesmo gargalhar (situação compreensível nesses casos)?
Digamos sim à democratização do sorriso!
Quando vivermos em um mundo onde todas as reações emotivas forem unânimes, será compreensível a condenação de um cidadão por emitir um falso sorriso. Enquanto isso não acontecer, lutaremos contra a discriminação dos sorrisos amarelos, dos sorrisos-sem-graça, sorrisos forçados e de todas as minorias sorrisais.
A falsidade odontológica é um direito de todos.


postscritum: segunda edição (limitada, como sempre) com revisão do autor.

Pour Emerson Cardozo