quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Carta à Inspiração


Querida Inspiração,

Vossa Senhoria anda sumida destas bandas de cá, de onde canta o sabiá, onde ficam as costas e os espelhos, os Girassóis e o jardim encantado. Há muito tempo não a vejo, nem de longe nem de perto, e tenho sentido vontade de sentir sua falta. Um pouco cansada, porém. Mas meu eu interior (aquele que vive brigando comigo) me pressiona a escrever-lhe esta carta e solicitar seu comparecimento. Ao seu devido lugar.

Sei que andas muito sumida, perdida por aí... Debaixo de alguma sacada, cantando coisas de amor. Mas como escrever é um ato de liberdade, sei que V. Sa. também precisa se libertar das amarras deste mundo sem mãos. Senhora Inspiração, sabemos que não tens mãos...

Mando aos seus saberes, ainda, que a senhora Preguiça anda muito lenta e em processo de retirada. Sendo assim, todo o espaço que ocupava com seu volume avantajado será liberado para que vossa senhoria possa voltar a dançar e cantarolar dando piruetas felizes em processo de produção contínua e indolor.

Espero que vossa majestade não ouse ludibriar-me. Esta persona que não consegue mais escrever longas anedotas ou mesmo pequenos ensaios sobre as coisas da vida. Porque quem vos escreve precisa de sua mágica arte da criação espontânea.

Nem sei se há de receber esta correspondência. Faço votos que a modernidade dos tempos de outrora façam chegar à digníssima tão importante recado, mas gentileza, de qualquer maneira, dar o ar da graça.

Compareça, cedo ou tarde, mas ainda por agora. Voltaremos às vacas polpudas e deixaremos de lado estes pangarés magrelos da “sem gracisse” que ainda tentam, mesmo semi-padecidos, nos carregar nos ombros. Os deixaremos na morte e vida severina, nos sertões de veredas, nos agrestes com suas tietas e suas vidas secas.

E vamo-nos embora para pasárgada, o não lugar, lá onde fica aquele vilarejo ali, que tem uma casa muito engraçada, lá onde a existência é uma aventura. Lá onde posso chegar mais perto e contemplar as palavras. Cada uma. Onde ficam as bandas de música. Foguetes. Discursos. Povo de chapéu de palha. Vamos porque é preciso partir é preciso chegar... Ah, como esta vida é urgente! Vamos lá onde quando se vê, já são seis horas e quando de vê, já é sexta-feira!

É logo ali, onde eu posso voltar a ter apenas as duas mãos e o sentimento do mundo.

E, por favor, perdoe-me, senhora Inspiração, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta.


By Carolina Bahasi

05 de Novembro de 2008
15:07 h

2 comentários:

  1. Se a Inspiração te responder, eu ficarei muito enciumado. Vc ainda quer mais intimidade com ela?!

    Adorei seu texto. Parabéns!

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  2. Eu leio seus textos e fico travada. Como pode? Meu ,uso, escritor preferido.

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