domingo, 9 de novembro de 2008

O COLECIONAR DE FEIÚRAS


Ihhh... O Insuportável!

Costumava se sentir superior ao resto da humanidade que ele conhecia e que colecionavam coisas. Achava, desde criança, aquilo de colecionar carrinhos, figurinhas, papel-de-bombom, discos, uma idiotice, uma forma de auto-alienação.

Qual seria o sentido de reunir peças limitadas de um tipo de objeto que, seja por prazo de validade da promoção ou da paciência, esgota-se? Condicionar a mente? Causar inveja em terceiros pela virtude da persistência?

E quando o álbum ou a prateleira está completo? Qual é o sentimento? De conquista, de tempo perdido talvez? De estágio espiritual superior?

Eu, como narrador partidário assumido do Colecionador, enquanto ouvia sua voz justificando o quanto ele era superior por já haver descoberto que criar era maior que colecionar, cheguei a pensar naqueles que criam os objetos que outros colecionarão... Quando é proposital, poderia ser considerada uma forma de alienação do próximo? Seriam, então, aquelas figurinhas do álbum uma espécie de ópio do povo? Os criadores de objetos colecionáveis seriam uma espécie de sacerdotes do “Colecionismo”?! E mais, seria o Colecionismo uma manifestação sagrada? Enfim, não quero que a Terceira Grande Guerra aconteça em virtude de álbuns ou prateleiras mais recheados do que outros. Apesar de que eu sou apenas um narrador tentando ser a voz de Deus nesta coleção de palavras aqui.

 

O dia em que o insuportável caiu de joelhos.

Sugerem por aí que existe muito daquilo que nos incomoda dentro de nós mesmos.

Em um momento de fraqueza, um pouco alto pelo excesso de idéias, o Insuportável confessou: “eu descobri que coleciono feiúras.”

― Que feiúras? A minha voz perguntou.

― Todas as humanas. Desde criancinha eu as coleciono. Meu álbum de invejas é enorme e cheio de figurinhas repetidas; a minha caixa de ódios eu sequer tenho coragem de mostrar a alguém. Coleciono ódios raros, peças de colecionador mesmo; tenho uma parede só de frustrações. Coloquei em paredes porque algumas são grandes demais e são todas em 3D. Essa coleção é a que me enche de soberba.  E a minha coleção de aversões?! Tão vasta que guardei várias na casa da minha mãe, na dos meus primos sempre que ia lá. Algumas aversões que sempre vinham iguais eu acabei distribuindo com colegas da escola. Mas eu estou meio angustiado... Eu não coleciono apenas feiúras prontas. Descobri que eu mesmo crio meus objetos e dou a eles as duas devidas fealdades. E assim, nunca terei uma coleção completa.

― E por que não coleciona belezuras se as feiúras não te satisfazem mais? Volta minha voz a intervir.

― De forma alguma! A quantidade de belezura é mínima. Eu já teria completado minha coleção há muito tempo. E depois é muito mais fácil enfeiar uma coisa do que embelezá-las. O enfeamento das coisas vem sempre com a virtude da verdade, da honestidade, enquanto que para embelezar alguma coisa, a pessoa deve lapidar aquele objeto bruto com a fineza da falsidade, do exagero, da indecência. A qualidade de uma boa coleção de feiúras é do que uma coleção de belezuras. E mais: conheço vários colecionadores de belezuras (eles se assumem porque a sociedade apóia, enquanto colecionadores de feiúras como eu, são muito mal vistos). As belezuras deles acabam de uma hora para outra e eles acabam tendo que começar a coleção toda de novo, forçando uma super barra para encontrar novas virtudes, bondades, sinceridades. Feiúra, não. Uma feiúra é sempre uma feiúra. Ela é concreta, é palpável.

 

― A feiúra ofende, mas a belezura engana. Contete-se em ter a mim colecionando feiúras na sua cabeça, pois sou eu que te confronto com a realidade, seu escroto, inseguro e problemático! Completa o Insuportável dirigindo-se a mim.

 Eu sabia! O Insuportável só puxou conversa comigo, contou um pouco da sua história pra me sensibilizar, me enfraquecer e arrancar mais feiúras de mim pra aumentar sua coleção!

 

CONTINUA... E A PRÓXIMA FEIÚRA DA COLEÇÃO PODE SER A SUA OU ATÉ MESMO VOCÊ!

By, pour ou por: Emerson Cardozo

Um comentário:

  1. Olá Emerson, primeiramente (mais uma vez) parabéns pelo blog,...

    achei esse texto intrigante e criativo mas fiquei preocupado... me identifiquei tanto com o insuportavel heheh


    abraço

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