quinta-feira, 26 de maio de 2011

QUEM ESCREVEU ESSE ROTEIRO?!


Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade.Alguns o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes, desobedientes e rebeldes - e têm razão. Oscar Wilde


Se a intenção do grande autor era me escalar para figurante, por que, então, meu deu um nome, uma história e um drama? Por que não me deixou desconhecido do público e de mim durante todo o espetáculo?

Não adianta dizerem que a falha é minha e que eu interpreto mal. Interpreto um personagem dramático muito bem e sou um ótimo ator cômico. O que está errado, então? É a trama? Estou aqui para me matarem e carregarem esse suspense até o fim :”Quem matou Emerson Cardozo?”? Não! Isso não! Antes disso, eu preciso reformular meu personagem. Estive pensando em interpretar o Monstro do Lago Ness, porque ele, ao menos, pode passar quase todo o tempo submerso e quando reaparece é um fenômeno. Eu, interpretando gente, se desaparecer por muito tempo, sou esquecido pelo público.

Estou cansado de ser gente. Tenho que virar mito.

Penso que toda essa minha não identificação com meu personagem atual seja por eu não ter nascido para figuração. Nem jamais poderia ser o mocinho, devido ao meu caráter indefinível. Não sou um louco psicopata, apesar de achar que este seria um excelente personagem, nem pretendo matar ninguém para ser temido na trama, ou descobrir, mais tarde, que não sou filho da mãe que me criou. Também não quero meu rosto na capa da trilha sonora. Não pretendo ser popular dessa forma. Pretendo apenas viver, existir e interagir em toda a trama que me envolva. Não admito ser a vítima (que só reage no último capítulo).

Preciso retirar meu personagem da trama para voltar com mais presença na próxima temporada. Mesmo que tudo seja uma grande peça em cartaz e que o fim esteja próximo. O público reconhecerá meu talento através de outros roteiros. Desde que não seja vivendo minha própria história de vida escrita pelo atual roteirista. Tem ser mais do que isso. Tem que emocionar e fazer rir com muitas tramas dentro do mesmo personagem. Personagem bom, ninguém esquece.

Outro grande problema é que eu não recebo os capítulos previamente. É tudo gravado ao vivo. Não tenho tempo de preparar minhas falas nem minhas emoções. Acabo não chorando quando deveria chorar; não reagindo de acordo com a cena.

Guardo grandes enigmas dentro de mim: quem me escalou para viver esse personagem? Seria a minha vida uma espécie de novela mexicana ou algum besteirol adolescente? E mais: minha vida é dividida em atos, capítulos ou em fragmentos?

Seja lá como for, que contratem outro roteirista. Não atuo mais nessa trama.

INTERVALO COMERCIAL

(texto postado pela primeira vez em 7Abr2006)

Um comentário:

  1. Mas os marcantes são mesmo os ingratos, os descontentes, os desobedientes e os rebeldes. Os inesperados, os trashs e os extravagantes, como as novelas mexicanas que sem dúvida são as melhores por serem mais divertidas.

    ResponderExcluir